PROSEANDO SEGURANÇA PÚBLICA – ELIANE NIKOLUK/AMAURY DOS SANTOS

 

 

Família, base da sociedade, base da segurança pública.

 

Olá a todos. Muito bom estar de volta aqui com vocês!

 

No nosso último bate papo, fiz uma provocação: “Que País é este?” e falei sobre as pequenas atitudes do dia a dia, que fazem toda a diferença na construção de uma cultura de cidadania e até na cultura da paz, do respeito. Saber porquê? Porque pequenos delitos geram os grandes delitos, e as pequenas incivilidades pavimentam o caminho do caos. E é muito mais fácil enfrentar os problemas enquanto ainda são pequenos, não é?

Hoje, tenho o prazer enorme de falar sobre FAMÍLIA e seu imprescindível papel para a segurança pública e sociedades mais justas e mais saudáveis.

Auguste Comte, filósofo francês (1798 – 1857) escreveu que “a família humana não passa, no fundo, da nossa menor sociedade; e o conjunto normal da nossa espécie, forma apenas, em sentido inverso, a família mais vasta.”

A Constituição Federal de 1988 define, no artigo 226, a família como sendo a “base da sociedade”, ou seja, reconhece formalmente a ideia de que a vida em sociedade deve apoiar-se sobre o alicerce da família, para se manter firme.

Como cristã, fiz catecismo e aprendi na fé, desde menina, que “família é a célula originária da vida social” e deve ser protegida. Na “Carta as Famílias” (Gratissimam Sane) de 1994, o Papa S. João Paulo II define família como “uma comunidade de pessoas, a mais pequena célula social, e como tal, é uma instituição fundamental para a vida de cada sociedade”. (Carta às Famílias, 17). Mas sabemos que em todas as religiões, a família é uma instituição tratada com fundamental importância.

Creio que é fácil entender o porquê de tamanha importância.

É a partir da família que recebemos nossa primeira educação, os primeiros passos e os valores que vão servir de base para nossa vida inteira. É na família onde aprendemos a falar a verdade; a respeitar os mais velhos; a tratar os outros como gostamos de ser tratados. Aprendemos também que conquistamos as coisas porque merecemos, ou seja, por mérito; e aprendemos o que é certo e o que é errado, conforme vamos crescendo.

Tudo o que a família nos ensina, o ambiente amoroso e estável que nos proporciona, nos torna fortes para enfrentar os próximos passos da vida: a escolinha, a escola, o trabalho… Tudo o que aprendemos na nossa família acaba sendo reforçado pela Professora na escola, nas regras de convivência com os amiguinhos, e também por meio da fé, na igreja ou templo que frequentamos.

A família nos ensina na prática, pelo amor e pelo exemplo dos nossos pais, irmãos e avós, fortíssimos valores morais e de convivência social: ser honesto, respeitoso, verdadeiro, esforçado, colaborador, solidário, etc. A fé nos fortalece os valores morais e sociais que aprendemos na família, e na escola, esses valores são arrematados, mais fortalecidos ainda. Ou deveria ser assim.

Quando uma família é saudável e estruturada, temos pessoas que tendem a ser saudáveis e melhor estruturadas, para viver a vida em sociedade, mais equilibradas, solidárias e tolerantes e resilientes (capazes de se adaptarem às diferentes situações). Porém, quando uma família está “doente”, desestruturada, torna-se, via de regra, fonte inicial de gravíssimos problemas e muitas vezes, situações horrorosas, como serial killers (matadores em série), estupradores e criminosos violentos de diversas espécies, que acabam virando tristes manchetes de matérias de jornal…

Tem muita gente que acha (e a própria imprensa induz a isso) que policiais abordam pessoas suspeitas porque são negras, pobres, etc. Isso é um tremendo engano! Policiais não abordam “pessoas suspeitas” e sim, “ATITUDES suspeitas”, ou seja, independe da cor, raça, sexo ou trajes que a pessoa usa, é sua ATITUDE que vai motivar uma fundada suspeita e, consequentemente, uma abordagem. E a atitude suspeita acontece quando a pessoa é “pega no flagra”, ou está escondendo alguma coisa ilícita, ou estava em vias de fazer algo errado. O policial aprende e é treinado uma vida toda para “enxergar” isso por meio de pequenos gestos e atitudes, e essa capacidade de acertar cada vez mais nessa “arte” de tem um bom    “olho” policial chama-se TIROCÍNIO policial.

É fato também incontestável que pobreza NÃO é sinônimo de crime ou violência. Muita gente pobre, humilde mas muito honrada, faz “das tripas coração” para sobreviver de forma digna, por meio de seu trabalho, buscando formas de sustento das mais diversas, mas mantendo a integridade e sua honra. Faz o que pode porque tem orgulho do nome, não quer sujar o nome dos pais, não quer ser uma vergonha para sua família.

Só que a pobreza, a miséria, pode sim ser um dos fatores que desencadeiam o crime e a violência, a médio e longo prazo. Porque criminosos se instalam e atuam mais facilmente nas comunidades mais pobres, com menos infraestrutura e menor atenção do poder público (quando deveria ser exatamente o contrário!). De repente, uma comunidade periférica, que não é alvo de cuidado e atenção por parte da Prefeitura e do Governo, passa a ser “invadida” por traficantes, por exemplo, que pela violência ou pela “pseudo assistência”, passam a ditar as regras naquele local: ou ameaçam, ferem e matam pessoas para mostrar poder e se impor pelo pavor, ou começam fazendo um certo “trabalho assistencial” (doação de gás, de medicamentos, condução a hospital, etc.) preenchendo uma lacuna da ausência do poder público, e conquistando a confiança das famílias daquela comunidade, gerando uma relação de dependência, de dívida. E a partir daí, vão aumentando seus “tentáculos” e crescendo absurdamente no poder que exercem, chegando ao ponto de esfacelar famílias, obrigando pais e filhos (alguns muito pequenos) a trabalharem para o tráfico, e até, obrigando meninas e moças a prestarem “favores sexuais” em troca de proteção, destruindo, arrancando sua pureza e dignidade…

Não se pode deixar de falar também das “famílias corroídas”, desestruturadas da pior forma. Famílias onde a violência está exatamente onde deveria haver amor e proteção. Chama muito a atenção que a violência doméstica, abuso moral, psicológico e sexual, tem sido cada vez mais alarmantes nos últimos tempos, inclusive, agravados pelo confinamento provocado pela pandemia do COVID-19. Familiares que antes não conviviam tão juntos e por tanto tempo, de repente, acabam revelando problemas gravíssimos e crônicos, pela falta de amor, de cuidado e de respeito. Espancamento de mulheres, crianças e idosos. Estupros e violência sexual contra pessoas vulneráveis. Assédio moral e psicológico, gerando graves transtornos que, muitas vezes, levam ao suicídio, ao homicídio ou feminicídio. Tudo acontecendo exatamente no lugar onde deveria haver amor e proteção…

Quantos filhos indesejados não nascem a partir desses cenários?! Quantas famílias “sem pais” surgem principalmente em comunidades mais abandonadas e degradadas? Quantas pessoas “destruídas”, que perdem totalmente a esperança e recorrem à violência extrema para fazer cessar seu sofrimento? Quantas famílias destruídas pela ação de traficantes e das drogas?! Quanto transtorno psicológico gerado por tanta dor e abuso?!

É fato nossa população tem maioria negra, parda e mestiça e que, historicamente, são pessoas que sofrem maior discriminação, de várias formas, gerando naturalmente “guetos” ou comunidades mais abandonadas e discriminadas pelo poder público, que se tornam “bases preferenciais” de traficantes e criminosos (exatamente pelo abandono), gerando maior potencial de prática de crimes e, consequentemente, maior esforço de atuação por parte das polícias… um verdadeiro ciclo vicioso!!!

E esse ciclo vicioso pode e deve ser rompido a partir das famílias!

Quando o poder público atua, por meio dos seus serviços (assistencial, social, educação, saúde de qualidade, trabalho, habitação digna, saneamento básico, infraestrutura, esportes, opções de lazer de qualidade, etc.) há um fortalecimento dos núcleos familiares, que passam a ser mais bem assistidos e tratados preventivamente. Rapidamente, é possível identificar e tratar potenciais fatores de desequilíbrio que poderiam levar às práticas violentas e, quando as famílias são bem cuidadas, assistidas, respondem muito bem, conseguem se fortalecer e serem base para uma cidadania muito mais forte e responsável.

Um exemplo disso foi o caso das ações desencadeadas, na década de 90 e mais precisamente, a partir de 1996, no Bairro Jardim Ângela, cidade de São Paulo, região que foi considerada a mais violenta do planeta e que chegou a inspirar as Unidades de Polícia Pacificadores (UPP) do Rio de Janeiro. Um trabalho de repressão, combinado com um fortíssimo trabalho de prevenção multidisciplinar, com foco nas famílias, nos moradores de bem daquela área, que eram vitimizados por uma minoria de criminosos de uma facção conhecida. Essa trajetória e boa prática de sucesso é relatada pelo jornalista Gilberto Dimeinstein, em artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo – Cotidiano – em 20 de agosto de 2006 (link para acesso: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2008200621.htm), ocasião em que as Polícias atuaram muito proximamente da população local, com apoio de profissionais de outras áreas de gestão (saúde, assistência, direito, recreação, infraestrutura, saneamento, etc.).

Enfim, para não me estender mais (me empolguei, e escrevi demais hoje): sem cuidar das FAMÍLIAS, não há como alcançar uma sociedade mais justa, equilibrada, saudável e melhor para todos. Lembrando que o nosso Brasilzão abençoado existe a partir dos Estados, que existem a partir das Cidades, que existem a partir dos Bairros, que existem a partir das ruas, onde estão as nossa famílias…

O que você acha?

Espero vocês nas próximas edições!

 

*Coronel Eliane Nikoluk, doutora em segurança pública, especialista em gestão pública, gestão pela qualidade, gestão de emergências e crises, veterana da Polícia Militar de São Paulo.